Estes cientistas enviaram um foguete a Marte com menos dinheiro do que a produção de "Perdido em Marte". E estão felizes por serem mulheres. Mulheres indianas, no caso.
Equipe da ISRO - Indian Space Research Organization celebra após a Nave Orbital de Marte entrar na órbita do planeta (créditos: Manjunath Kiran / Getty)
Inspirado no artigo original de Steven Levy.
Em 5 de novembro de 2013, um foguete foi lançado a Marte. Foi a primeira missão interplanetária da Índia, chamada Mangalyaan, e uma aposta sensacional. Apenas 40% das missões enviadas a Marte pelas maiores agências espaciais - NASA, Rússia, Japão ou China - tem algum sucesso. Nunca se conseguiu entrar na órbita de Marte na primeira tentativa. E mais, a agência espacial indiana - ISRO - tem um orçamento apertado: enquanto a sonda Maven, da NASA, custou 651 milhões de dólares, o orçamento da missão indiana foi de 74 milhões de dólares. Só pra comparar, o orçamento do filme "Perdido em Marte", de 2015, foi de US$ 108 milhões. Ainda é bom dizer que desde que o programa iniciou, a ISRO lançou o foguete em apenas 18 meses.
Alguns meses e milhões de quilômetros depois, a nave se preparou para entrar na gravidade de Marte. Foi um momento crítico. Entrar no ângulo errado por apenas 1 grau de diferença pode fazer a nave se espatifar no solo ou passar direto pelo planeta.
Aqui na Terra, a equipe de cientistas e engenheiros aguardavam um sinal do orbitador. O projetista da missão, Ritu Karidhal, trabalhou as 48 horas anteriores ininterruptamente, antecipando problemas. Olhavam como crianças para telas de TV. Quando o sinal chegou, a sala rompeu em aplausos e alegria. Nandini Harinath disse que "não é preciso assistir filmes de suspense, basta trabalhar um dia aqui na sala de controle".
Mas este não foi o único sucesso da missão. A imagem dos cientistas celebrando na sala de controle da missão se tornou viral. Indianas tinham novas heroínas: um tipo de heroína que veste saris e usam flores no cabelo, além, é claro, de lançar foguetes ao espaço.
Uma destas mulheres é Moumita Dutta, que no 9º ano do ensino fundamental estudou a luz e ficou fascinada. Esta obsessão a levou a formar-se engenheira. Em Kolkata, 11 anos atrás, ela leu no jornal que a Índia iria lançar uma missão à Lua. Em 2008, dizia, chegariam à Lua. Ela deixou a oferta de fazer um PhD no exterior e se mudou para o outro lado do país para juntar-se à ISRO nesta missão.
Posteriormente, a ISRO anunciou a missão a Marte em 2012, com o objetivo de construir uma nave capaz de entrar na gravidade marciana e, uma vez por lá, conduzir experimentos científicos. A missão tinha um orçamento limitado e precisava ser completada em tempo recorde: apenas 18 meses para planejar, construir e testar tudo. A nave iria entrar na órbita de Marte numa elipse que iria cortar toda a comunicação com a equipe no momento mais crucial da missão. As engenheiras precisavam, então, mostrar que podiam desenvolver mecanismos que poderiam se manter funcionais sem interferência da equipe na Terra. Também lhes disseram que todos os experimentos que iriam fazer, juntos, não poderiam pesar mais que 15 quilos.
Moumita é a da direita, com a colega de equipe Minal Rohit. (Créditos: ISRO)
Como especialista em sensores, Moumita começou a desenhar sensores de gases, principalmente metano, para funcionar em Marte. "Nós estávamos construindo algo que nunca havia sido construído antes, todo dia era um desafio", disse.
A cultura indiana é fechada para mulheres que pretendem desenvolver uma carreira. É quase um ato de rebelião. No caso de Minal, a colega de Moumita, seus pais se opuseram radicalmente. Quando ela sugeriu que iria deixar a casa para buscar melhor educação, seu pai lhe perguntou: "e como espera encontrar um bom casamento?" Apesar de tudo, diante da persistência de Minal, seus pais a enviaram para outra cidade, onde teria condições de fazer um Ensino Médio melhor. Ela conseguiu notas para entrar na faculdade de medicina, mas seus pais também tiveram uma participação em sua decisão e aconselharam-na fazer engenharia. Era o que ela sempre sonhara fazer.
O cronograma apertado forçou a inovação. Ao invés de tentativa e erro, equipes de subsistemas, como a equipe de ótica da Moumita, construíam seus aparelhos baseados no trabalho integrado das outras equipes. O grupo fez com que todos os subsistemas - óticos, eletrônicos, mecânicos - funcionassem em harmonia sob critérios duros. Não haveria tempo para testes. Eles precisavam funcionar.
Minal diz que "no espaço, nenhum erro é aceitável. Nossa margem de erro precisa ser zero". O papel de Minal foi planejar meticulosamente a integração de todos os sistemas. Às vezes, chegava de manhã ao trabalho e havia um novo sensor sobre sua mesa para ser integrado ao projeto. "Muitas coisas haviam sido testadas somente pelas equipes de subsistemas. Então, eu confiava neles quando diziam que estava tudo OK, mesmo sem documentos ou certificados". E completou rindo, "muitas vezes eu me peguei orando a Deus quando apertava o botão de ligar, pedindo para que simplesmente ligasse sem explodir tudo"! Não houve explosões.
O sinal de comunicação de um orbitador demora 12 minutos para viajar os 225 milhões de quilômetros que separam a Terra de Marte. Doze minutos intermináveis para quem espera corrigir algum erro. Depois de dado um comando, são 12 minutos até a nave em Marte. Os cientistas da ISRO superaram suas capacidades ao construir um mecanismo autônomo, um software capaz de diagnosticar e corrigir qualquer problema por si só.
A projetista do software, Ritu Karidhal, mostra como foi influenciada pelo corpo humano. "É como um cérebro. Ele recebe sinais de sensores como os olhos, orelhas e terminações nervosas. Se há algum problema em qualquer lugar do corpo, o cérebro reage imediatamente. Foi isso que fizemos com o sistema autônomo, inserindo ferramentas de diagnóstico muito avançadas e prevendo os problemas que poderia encontrar. Nós tínhamos 10 meses para pegar tudo - sensores, ativadores e motores - entender como funcionavam e colocar pra funcionar".
"Se você tem um desejo sincero e quer alcançá-lo, teste todos os caminhos", disse Minal Rohit, cujo sensor continua medindo os níveis de metano em Marte. "Eu sempre digo, mantenha metas de curto prazo ativas para motivá-lo. Então, trace um limite a ser alcançado por sua mente, algo claro que você deseja. Um grande sonho ou vários pequenos sonhos".
"Ajudar as pessoas comuns é o meu grande sonho", continua. "Marte foi um sonho pequeno. Agora estou pensando: e depois?" O céu não é o limite.
Equipe da ISRO - Indian Space Research Organization celebra após a Nave Orbital de Marte entrar na órbita do planeta (créditos: Manjunath Kiran / Getty)
Inspirado no artigo original de Steven Levy.
Em 5 de novembro de 2013, um foguete foi lançado a Marte. Foi a primeira missão interplanetária da Índia, chamada Mangalyaan, e uma aposta sensacional. Apenas 40% das missões enviadas a Marte pelas maiores agências espaciais - NASA, Rússia, Japão ou China - tem algum sucesso. Nunca se conseguiu entrar na órbita de Marte na primeira tentativa. E mais, a agência espacial indiana - ISRO - tem um orçamento apertado: enquanto a sonda Maven, da NASA, custou 651 milhões de dólares, o orçamento da missão indiana foi de 74 milhões de dólares. Só pra comparar, o orçamento do filme "Perdido em Marte", de 2015, foi de US$ 108 milhões. Ainda é bom dizer que desde que o programa iniciou, a ISRO lançou o foguete em apenas 18 meses.
Alguns meses e milhões de quilômetros depois, a nave se preparou para entrar na gravidade de Marte. Foi um momento crítico. Entrar no ângulo errado por apenas 1 grau de diferença pode fazer a nave se espatifar no solo ou passar direto pelo planeta.
Aqui na Terra, a equipe de cientistas e engenheiros aguardavam um sinal do orbitador. O projetista da missão, Ritu Karidhal, trabalhou as 48 horas anteriores ininterruptamente, antecipando problemas. Olhavam como crianças para telas de TV. Quando o sinal chegou, a sala rompeu em aplausos e alegria. Nandini Harinath disse que "não é preciso assistir filmes de suspense, basta trabalhar um dia aqui na sala de controle".
Mas este não foi o único sucesso da missão. A imagem dos cientistas celebrando na sala de controle da missão se tornou viral. Indianas tinham novas heroínas: um tipo de heroína que veste saris e usam flores no cabelo, além, é claro, de lançar foguetes ao espaço.
Uma destas mulheres é Moumita Dutta, que no 9º ano do ensino fundamental estudou a luz e ficou fascinada. Esta obsessão a levou a formar-se engenheira. Em Kolkata, 11 anos atrás, ela leu no jornal que a Índia iria lançar uma missão à Lua. Em 2008, dizia, chegariam à Lua. Ela deixou a oferta de fazer um PhD no exterior e se mudou para o outro lado do país para juntar-se à ISRO nesta missão.
Posteriormente, a ISRO anunciou a missão a Marte em 2012, com o objetivo de construir uma nave capaz de entrar na gravidade marciana e, uma vez por lá, conduzir experimentos científicos. A missão tinha um orçamento limitado e precisava ser completada em tempo recorde: apenas 18 meses para planejar, construir e testar tudo. A nave iria entrar na órbita de Marte numa elipse que iria cortar toda a comunicação com a equipe no momento mais crucial da missão. As engenheiras precisavam, então, mostrar que podiam desenvolver mecanismos que poderiam se manter funcionais sem interferência da equipe na Terra. Também lhes disseram que todos os experimentos que iriam fazer, juntos, não poderiam pesar mais que 15 quilos.
Moumita é a da direita, com a colega de equipe Minal Rohit. (Créditos: ISRO)
Como especialista em sensores, Moumita começou a desenhar sensores de gases, principalmente metano, para funcionar em Marte. "Nós estávamos construindo algo que nunca havia sido construído antes, todo dia era um desafio", disse.
A cultura indiana é fechada para mulheres que pretendem desenvolver uma carreira. É quase um ato de rebelião. No caso de Minal, a colega de Moumita, seus pais se opuseram radicalmente. Quando ela sugeriu que iria deixar a casa para buscar melhor educação, seu pai lhe perguntou: "e como espera encontrar um bom casamento?" Apesar de tudo, diante da persistência de Minal, seus pais a enviaram para outra cidade, onde teria condições de fazer um Ensino Médio melhor. Ela conseguiu notas para entrar na faculdade de medicina, mas seus pais também tiveram uma participação em sua decisão e aconselharam-na fazer engenharia. Era o que ela sempre sonhara fazer.
O cronograma apertado forçou a inovação. Ao invés de tentativa e erro, equipes de subsistemas, como a equipe de ótica da Moumita, construíam seus aparelhos baseados no trabalho integrado das outras equipes. O grupo fez com que todos os subsistemas - óticos, eletrônicos, mecânicos - funcionassem em harmonia sob critérios duros. Não haveria tempo para testes. Eles precisavam funcionar.
Minal diz que "no espaço, nenhum erro é aceitável. Nossa margem de erro precisa ser zero". O papel de Minal foi planejar meticulosamente a integração de todos os sistemas. Às vezes, chegava de manhã ao trabalho e havia um novo sensor sobre sua mesa para ser integrado ao projeto. "Muitas coisas haviam sido testadas somente pelas equipes de subsistemas. Então, eu confiava neles quando diziam que estava tudo OK, mesmo sem documentos ou certificados". E completou rindo, "muitas vezes eu me peguei orando a Deus quando apertava o botão de ligar, pedindo para que simplesmente ligasse sem explodir tudo"! Não houve explosões.
O sinal de comunicação de um orbitador demora 12 minutos para viajar os 225 milhões de quilômetros que separam a Terra de Marte. Doze minutos intermináveis para quem espera corrigir algum erro. Depois de dado um comando, são 12 minutos até a nave em Marte. Os cientistas da ISRO superaram suas capacidades ao construir um mecanismo autônomo, um software capaz de diagnosticar e corrigir qualquer problema por si só.
A projetista do software, Ritu Karidhal, mostra como foi influenciada pelo corpo humano. "É como um cérebro. Ele recebe sinais de sensores como os olhos, orelhas e terminações nervosas. Se há algum problema em qualquer lugar do corpo, o cérebro reage imediatamente. Foi isso que fizemos com o sistema autônomo, inserindo ferramentas de diagnóstico muito avançadas e prevendo os problemas que poderia encontrar. Nós tínhamos 10 meses para pegar tudo - sensores, ativadores e motores - entender como funcionavam e colocar pra funcionar".
"Se você tem um desejo sincero e quer alcançá-lo, teste todos os caminhos", disse Minal Rohit, cujo sensor continua medindo os níveis de metano em Marte. "Eu sempre digo, mantenha metas de curto prazo ativas para motivá-lo. Então, trace um limite a ser alcançado por sua mente, algo claro que você deseja. Um grande sonho ou vários pequenos sonhos".
"Ajudar as pessoas comuns é o meu grande sonho", continua. "Marte foi um sonho pequeno. Agora estou pensando: e depois?" O céu não é o limite.
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