Pastoreio Inegociável



Texto do Pr. Oswaldo Dias Ferreira Jr. - Igreja Evangélica Projeto Raízes - Ribeirão Preto, SP

Ele chegou em minha sala pela segunda vez em 15 dias. Na primeira, me disse que tinha deixado seu antigo emprego para investir num empreendimento próprio, tempo e energia seriam fundamentais nesta nova empreitada. Ofereceu-me um catálogo de perfumes, pois daquela venda (caso eu comprasse) conseguiria completar uma meta que lhe daria o direito de levar sua mãe a um congresso promovido pela rede empreendedora, o que me motivou a adquirir um dos produtos para incentivá-lo e completar sua meta.

Agora ele estava lá, mas já com um ar transformado, uma postura quase que proselitista, empolgada, pois no congresso tinha aprendido novas técnicas e descoberto “maravilhosos” objetivos que seu produto iria agregar, indo “além das vendas”. Por isso, não demorando muito, me expôs todo o programa multinível envolvido naquele marketing, e - tentando me fazer membro desta conexão - me questionou como seria o meu envolvimento, a partir de suas propostas, sempre enfatizando o potencial que eu poderia desenvolver principalmente pelo papel de pastor em nossa pequena comunidade.

Mas muito maior do que a sua empolgação foi o seu espanto quando me neguei a participar de um esquema tão maravilhoso-incrível-revolucionário-abençoador (Sim! Naquela altura Deus já tinha “inspirado” o esquema!). Ao seu modo de ver não havia porque não participar.

Tranquila e suavemente tentei lhe apresentar uma única e objetiva razão, que tem guiado minha disposição ministerial nos últimos 23 anos, baseada em 2 Timóteo 2:4 - “Nenhum soldado se deixa envolver pelos negócios da vida civil, já que deseja agradar àquele que o alistou.”

Mas, como espanto pouco é bobagem, a resposta do jovem também me agitou: “Mas tem muitos pastores na cidade que “vendem” em suas próprias igrejas!” Depois de tentar entender a relação (promíscua) que ele acabava de denunciar, respeitosamente expliquei que eu não fazia parte deste grupo “pastoral”. Coincidentemente assim como o jovem rico saiu entristecido do diálogo com Jesus, vi aquele jovem, que visitava nossa igreja nas últimas semanas, se distanciar inconformado com o meu “excesso de zelo”.

Confesso que como obreiro que veio da “Capital” não esperava tanta “modernidade” nas igrejas do interior. Ainda estou boquiaberto com a esquisita e promíscua relação de alguns líderes cristãos com suas comunidades no que se trata de empreendimentos financeiros.

Já vivi a experiência de ser pastor bivocacionado em alguns anos, em outros fui praticamente um “fazedor de tendas” (quase que pagando para ser ministro), e nos últimos 15 anos tive o privilégio de ser remunerado para dedicar-me em tempo integral. E, independente da forma que pude servir às igrejas locais que trabalhei, a ética de servir a comunidade e não “servir-se dela” sempre foram muito bem estabelecidas. Reconheço que existam obreiros em diversas categorias de remuneração dado o contexto socioeconômico que tais comunidades cristãs se desenvolveram, mas não é disso que estou falando, é de algo mais profundo: é de quanto se está envolvido no ministério, independente do ganho que se tem com ele, e através dele.

O texto citado de Paulo ao jovem pastor Timóteo, alerta e prioriza o quanto alguém que devia imitar ao apóstolo deveria também ser encontrado fiel e sincero na devoção a Cristo Jesus. A ponto de ser comparado a um soldado - e não um general. Alguém de vida simples e sem nenhuma patente de destaque, mas na “linha de frente” do serviço e da cooperação mútua. Não alguém que se ponha no alto, em lugar de “honra” ou ainda de uma pirâmide.

Jesus, em João 10:13 diferencia o pastor dos mercenários destacando que os mercenários “não tem cuidado das ovelhas”, ou seja, são como “sacários” (termo sinônimo do hebraico para mercenários) que eram carregadores que aceitavam conduzir fardos (sacos) dos portos para os armazéns, porém só aceitavam conduzir tais fardos se houvesse uma recompensa própria para cada peso. Ao invés de “cuidarem” das cargas, as cargas cuidavam deles. Se trouxessem algum peso que não desejassem, não se envolviam com o que lhes era apresentado.

Que o Sol da Justiça ilumine Ribeirão Preto, deixando-O ser a primeira estrela da manhã, trazendo-nos todos, pastores, obreiros e povo de Deus para um envolvimento sacrificial, despojado e incondicional com aquele que nos arregimentou.

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